Geração Remota para clientes residenciais após a Lei 14.300

Geração Remota para clientes residenciais após a Lei 14.300

Com a Lei 14.300 em vigor desde 2022, o setor de geração distribuída, em especial a energia solar, começou a sentir suas modificações e atualizações a partir dos novos orçamentos de conexão datados posteriormente ao dia 07 de janeiro de 2023, data em que o prazo de vacância de um ano se extinguiu.  

Esta lei é um avanço para o setor de geração distribuída e, mesmo com a turbulência na definição de algumas regras e o aguardo do “Encontro de Contas” previsto para o mês de julho de 2023, ainda tem trazido novas oportunidades aos investidores da cadeia de energia solar.  

Como já é observado, este novo cenário do setor elétrico, trará a necessidade de qualificação e atualização constante dos profissionais do setor solar, visto que as regras são mais aprimoradas e tem a necessidade de mais conhecimento técnico de dimensionamento e dos fundamentos do setor elétrico por parte das empresas do ramo.  

Assim, esse artigo tem o objetivo de esclarecer os impactos da Lei 14.300 na microgeração remota voltado as unidades consumidoras (UC) de baixa tensão.  

Para justificar as escolhas e análises, foram observadas que as UCs residenciais, até a escrita desse artigo, totalizavam 1.557.281 das instalações fotovoltaicas brasileiras, resultando em um mercado equivalente a 75% de todas as classes de consumo, conforme a Figura 01.  

Deste número de UCs residenciais, é possível observar que o modelo de geração remoto representa 15,8% de adesão pelos investidores, totalizando 245.775 UCs que recebem excedentes de origem de sistemas fotovoltaicos instalados em residências.   

Figura 01 – (a) Número de UCs de acordo com a classe de consumo e (b) UCs de acordo com a modalidade de geração. 

FONTE: ANEEL, Junho 2023

Tendo isso em vista, na modalidade de geração remota o fator simultaneidade dos sistemas solares tem uma relevância menor nas análises dos custos.

Entretanto, o custo de disponibilidade (CD) e a cobrança da TUSD – Fio B devem estar totalmente compreendidos pelos projetistas e vendedores de kits solares nas apresentações aos seus clientes que desejam investir nesta modalidade.

PONTOS RELEVANTES A PROJETOS RESIDENCIAIS

Como já deve ser de conhecimento do leitor, o setor solar em formato de geração distribuída está tendo que se habituar com os termos citados na Lei 14.300 e nas notas técnicas liberadas pela ANEEL, tanto para um dimensionamento de um sistema solar quanto para a apresentação de um novo projeto.

Então, os sistemas solares e as unidades consumidoras cadastradas a receber os excedentes de energia com o pedido de orçamento de conexão protocolado antes do dia 07 de janeiro de 2023, foram enquadradas como GD I e possui o Direito Adquirido. Assim, essas unidades consumidoras permanecem com a total compensação da TUSD e não terão cobranças adicionais pelo uso do Fio B da distribuição.

Entretanto, se a unidade consumidora pediu o orçamento de conexão após o dia 07 de janeiro, ela será enquadrada como GD II ou GD III, com uma cobrança da TUSD – Fio B até 2028/2030 e, depois deste prazo, a implementação das regras da ANEEL que serão definidas pelo Encontro de Contas.

Neste artigo serão analisados os impactos na GD II, mas o resumo de qual enquadramento a unidade consumidora do seu cliente se encontra e como ficam definidas a cobrança da TUSD – Fio B para cada um deles pode ser visto na Figura 02.

Figura 02 – (a) Enquadramento das unidades consumidoras e (b) cobrança da TUSD Fio B de acordo com o enquadramento.

* Até a data de submissão do artigo não foi liberado pela ANEEL as regras para o “Encontro de Contas”.

FONTE: Autor, Junho 2023

Assim, para explicar os impactos da Lei 14.300 na geração remota foi utilizado uma residência, bifásica, com um sistema solar instalado e doravante conhecida como unidade consumidora geradora (UC Geradora) e mais três unidades consumidoras beneficiárias, UC 01, UC 02 e UC 03, também bifásicas, mas sem um sistema solar ou qualquer outro tipo de geração renovável, que poderiam ou não receber os excedentes da UC Geradora, conforme a Figura 03.

Figura 03 – Modalidade de geração remota com quatro UCs, sendo uma a UC Geradora e as outras três as UCs beneficiárias.  

FONTE: Autor, Junho 2023

A UC Geradora gera energia que pode ser usada de forma simultânea ou para ser injetada na rede elétrica como excedente, se essa usada dentro do mesmo ciclo de faturamento da concessionária. Se esses excedentes não forem utilizados pela UC Geradora, eles se convertem em créditos para serem consumidos em até cinco anos.

A fatura de energia dessa UC Geradora vai ser relativo à geração do sistema solar menos o consumo. Entretanto, se ainda tiver um consumo residual ao final do ciclo de faturamento, os excedentes injetados ou os créditos acumulados de outros ciclos, se assim houver, poderão ser utilizados para abatimento da conta final. Assim, o valor da fatura de energia poderá ter ou não o impacto da cobrança da TUSD – Fio B e depende de análise de cada caso.  

Já as unidades beneficiárias que recebem os excedentes da UC Geradora poderão abater o seu consumo de forma integral ou parcial. Se ainda sobrarem excedentes oriundos da UC Geradora na UC beneficiária, após o fechamento do ciclo de faturamento, eles serão convertidos em créditos das UCs beneficiárias para o uso em até cinco anos, também.

Convém lembrar que qualquer uma das unidades consumidoras acima mencionadas, tanto a energia injetada, o excedente de energia ou o crédito deverão ser utilizados até o limite mínimo faturável, em moeda (R$), relativo ao faturamento da unidade consumidora desde que seja maior ou igual ao valor mínimo faturável da energia, isto é, o custo de disponibilidade, conforme expresso na Lei 14.300.  

A cobrança ou não da TUSD – Fio B é ligada diretamente ao custo de disponibilidade e pode ser mascarada se o valor, em moeda, for inferior ao, também, valor em moeda, do custo de disponibilidade (CD).

Na figura abaixo é apresentada o custo de disponibilidade para os padrões de entrada vigentes para o Grupo B, monofásico, bifásico e trifásico, para a concessionária RGE, usando os tributos fixos de 17,00% para o ICMS e 4,60% para o PIS e o COFINS.

Figura 04 – Custo de disponibilidade (CD) para os três padrões de entrada vigentes para o Grupo B, na RGE, com e sem incidência tributária referente ao mês de Junho de 2023.

Cabe lembrar que a Lei 14.300 não traz menções as tributações estaduais e federais da energia elétrica, tanto consumida como gerada pela UC, mas esta cobrança é diferenciada em ambas as situações e precisa ser compreendida pelos projetistas solares.

Para a compreensão parcial da tarifação sobre a energia elétrica, cabe lembrar que o custo da energia elétrica, isto é, os R$ por kWh é igual a soma da Tarifa de Energia (TE) mais a Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) mais as incidências tributárias que seguem a seguinte equação (1).

Pelas regras videntes de tributação do ICMS, a energia elétrica consumida diretamente pela rede elétrica tem incidência do ICMS, entretanto a energia elétrica injetada na rede elétrica e requerida para abatimento do consumo não possui essa incidência, tendo assim um valor, em moeda, ligeiramente menor que o anterior.

De forma resumida e objetiva, a energia injetada tem um valor, em R$, menor que a energia consumida mesmo que os seus valores unitários em energia, dados em kWh, sejam os mesmos.

Seguindo o pensamento anterior, um projeto de geração remota onde há uma UC Geradora mais três UCs beneficiárias, em um determinado mês, o sistema fotovoltaico da UC Geradora produziu 1000 kWh com uma simultaneidade com a carga de 20%, resultando em 800 kWh de excedentes.

Como o consumo desta UC Geradora é de 300 kWh, ela terá 200 kWh abatidos de forma simultânea e sem cobrança da TUSD Fio B por não ter injeção e não fazer uso da infraestrutura da concessionária. Mesmo assim, ainda sobrarão 100 kWh para abater e que sairão dos excedentes de energia injetados pelo sistema fotovoltaico.

Esses 100 kWh oriundos da energia injetada e requerida novamente pela UC Geradora, fez uso da rede elétrica de distribuição e terá incidência do custo percentual da TUSD – Fio B. Na RGE, o custo da TUSD Fio B é de, aproximadamente, 34,7% da soma da TE mais da TUSD, resultando em R$ 0,2508 (sem impostos) ou R$ 0,3167 (com impostos).

Como há um percentual crescente na cobrança da TUSD Fio B anualmente, definido pela Lei 14.300, na Figura 05 são mostrados os valores cobrados pelo fio da concessionária e a comparação com o custo de disponibilidade (CD) de uma rede bifásica.

Figura 05 – O valor dos 100 kWh injetados e requeridos para abatimento da fatura de energia da UC Geradora comparados com o Custo de Disponibilidade (CD Bifásico) para essa situação proposta e sem reajuste da inflação em um determinado mês do ano vigente.

* Até a data de submissão do artigo não foi liberado pela ANEEL o “Encontro de Contas”. Então, a partir de 2029 foi instituído 100% da TUSD Fio B para este artigo.

FONTE: Autor, Junho 2023

 

Se o comportamento do consumo elétrico da UC Geradora for mantido e desprezando variação de irradiação do local e a depreciação da geração do sistema fotovoltaico nessas análises, a tendência é que esta unidade só venha a pagar o valor do custo de disponibilidade com a Lei 14.300, caso similar a antiga RN 482, já que o valor da TUSD Fio B é inferior a essa cobrança mínima para custeio da distribuidora. Convém lembrar que somado ao CD (ou os custos da TUSD Fio B proporcional), a fatura de energia da UC Geradora irá vir também com as cobranças de iluminação pública e a bandeira vigente naquele período.

Seguindo o pensamento, ainda haverá 700 kWh injetados na rede elétrica pela UC Geradora que poderão ser rateados com as três UCs beneficiárias. Conforme relatado pela ANEEL, compete a responsabilidade ao titular da UC Geradora informar à distribuidora local o percentual da energia excedente a ser destinada as UCs beneficiárias ou, se assim desejar, a ordem de prioridade de recebimento desses excedentes entre as UCs caracterizadas como autoconsumo remoto.

Então, se tais UC 01, UC 02 e UC 03, locadas na mesma concessionária da UC Geradora, consumirem no mesmo mês de análise, 250 kWh, 200 kWh e 180 kWh, respectivamente, terão assim um consumo de 630 kWh que poderá ser abatido 100% pelos excedentes de energia gerados pela UC Geradora. Assim, vamos analisar qual o valor a ser pago por cada UC beneficiária presente na Figura 06.

Figura 06 – O valor do uso dos excedentes para abatimento da fatura de energia das UCs beneficiárias comparado com o Custo de Disponibilidade (CD Bifásico) para essa situação proposta e sem reajuste da inflação em um determinado mês do ano vigente.

* Até a data de submissão do artigo não foi liberado pela ANEEL o “Encontro de Contas”. Então, a partir de 2029 foi instituído 100% da TUSD Fio B para este artigo.

FONTE: Autor, Junho 2023

Observa-se que somente após dois anos que a UC 01 irá ter um valor ligeiramente maior que o CD e pagará pelo uso da infraestrutura da rede elétrica, isto é, TUSD Fio B. As outras UC 02 e UC 03 seguem a mesma tendência nos anos posteriores. Convém lembrar que cada UC beneficiária, por não ter um sistema solar instalado, fará uso dos excedentes da UC Geradora e não terá simultaneidade. Assim, haverá a tendência que os custos da TUSD Fio B sejam mais significativos, em especial, quando a sua porcentagem de cobrança for mais expressiva.

Um ponto importante a se ressaltar neste caso, é que os excedentes enviados para abatimento das UCs beneficiárias não foram abatidos completamente neste determinado ciclo de faturamento. Então, deve-se atentar que dependendo da alocação desse excedente, o seu restante fica como créditos na unidade a que foram destinados e não retornam à UC Geradora, podendo ser usado também por até cinco anos.

Agora, analisando a UC Geradora e as UCs beneficiárias, a Figura 07 traz a comparação entre os custos da Geração Remota para o caso apresentado em comparação com o mesmo número de UCs sem energia solar e com o mesmo comportamento de consumo elétrico durante os próximos seis anos.

Figura 07 – Comparação dos custos da GD Remota Solar com quatro unidades consumidoras sem o benefício da energia solar, não considerando os custos de bandeira, iluminação pública e reajustes de inflação em um determinado mês do ano vigente.

* Até a data de submissão do artigo não foi liberado pela ANEEL o “Encontro de Contas”. Então, a partir de 2029 foi instituído 100% da TUSD Fio B para este artigo.

FONTE: Autor, Junho 2023

 

Com as análises trazidas, deixa-se claro que mesmo com a incidência do custo da TUSD Fio B instalar um sistema fotovoltaico no modelo de geração remota ainda é um ótimo investimento. Mesmo não comparando com o capital de investimento para a instalação do sistema solar para o caso proposto, observa-se que no pior cenário as UCs com energia solar irão pagar menos que 30% do que pagariam sem energia solar.

Lembrando o fato que um sistema solar, bem instalado e com suas devidas manutenções, tem uma durabilidade superior a 25 anos, este investimento é favorável e sua economia poderá trazer diversas vantagens aos seus investidores. 

CONCLUSÕES

Este artigo não tem a pretensão de finalizar o estudo da geração remota solar já que pontos ainda não estão totalmente esclarecidos pela ANEEL, como a possível cobrança da TUSD G no Grupo B, que ainda trazem confusão e uma interpretação não condizente com a Lei 14.300 pela agência. Mesmo assim, ele serve como um catalizador de reflexões sobre o tema, onde as empresas integradoras deverão estar em constante estudo sobre as atuais normas do setor elétrico.

Um ponto a ressaltar que neste artigo foi feita uma simulação em um modelo estacionário de geração e consumo, onde a variação de geração solar e o consumo da UC não foram levadas em conta de forma extensiva e para cada particularidade do mês. Isso porque, esse material tem o interesse de informar o leitor sobre como trabalhar em seus projetos os possíveis impactos da Lei 14.300 no modelo de geração remota solar em clientes de microgeração, classe residencial e apresentar evidências que a Lei ainda deixa a energia solar como um belo investimento aos interessados.

Aconselha-se as empresas solares sempre estarem atentas as novas tecnologias, que mesmo ainda pouco disponíveis, serão cada vez mais representativas com os anos para mitigar os impactos da cobrança da TUSD Fio B, como o uso de sistemas de armazenamento de energia ou sistemas de monitoramento e controle de geração, e abrirão novas oportunidades para o setor de energia solar.

Um outro ponto que sempre merece atenção é o “Encontro de Contas”, previsto para julho de 2023 e que durante o desenvolvimento deste artigo ainda não estava disponível para análise. Só com ele, será possível conhecer o cenário de como a energia solar, em formato de geração distribuída, irá se comportar após os anos 2029/2031.

Reforça-se à empresa solar se manter atenta as informações liberadas pelo setor de energia, em especial pela ANEEL, mantendo a leitura dos materiais produzidos por especialistas e profissionais competentes. Tais materiais e seu estudo aumentarão a assertividades das empresas em entregar os melhores projetos, com maior segurança ao cliente final que teve o interesse em investir na fonte solar.

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