Pontos de atenção da Lei 14.300 para projetos solares residenciais
A Lei 14.300 está em vigor desde 2022, mas somente a partir do ano de 2023 que realmente suas principais modificações e atualizações foram implementadas no setor elétrico brasileiro. Mesmo assim, é importante reforçar que a lei é um avanço para o setor de geração distribuída e, mesmo com a atual turbulência que se está vivendo, vai trazer novas oportunidades e segurança aos investidores da cadeia de energia solar como um todo.
Neste novo cenário do setor elétrico, haverá a necessidade crescente dos profissionais do setor solar na compreensão das suas regras, incluindo a necessidade de agregar conhecimento técnico de dimensionamento e dos fundamentos do setor elétrico pelas empresas de integração solar. Assim, esse artigo tem como objetivo esclarecer alguns dos pontos da Lei 14.300, voltados as instalações solares com modalidade de geração solares junto à carga e unidades consumidoras na classe residencial.
A justificativa dessa escolha de perfil de unidades consumidoras, residencial, está no número presente até o dia da confecção desse artigo, onde o Brasil alcançou 1.468.000 unidades consumidoras solares residenciais e mais de 1.534.000 de unidades consumidoras junto à carga, que resultam em 78% de todas as instalações brasileiras, e que podem ser analisadas na Figura 01.
Figura 01 – (a) Número de UCs de acordo com a classe de consumo e (b) UCs de acordo com a modalidade de geração.
Assim, conceitos como a simultaneidade, custo de disponibilidade, cobrança da TUSD – Fio B e conceitos técnicos que são usados na Lei 14.300 serão abordados para facilitar a compreensão e o trabalho, em especial, de projetistas e vendedores de kits solares a clientes finais.
PONTOS RELEVANTES A PROJETOS RESIDENCIAIS
Primeiramente, o setor solar terá que se habituar com os termos que serão amplamente usados com a Lei 14.300, tanto para um dimensionamento de um sistema solar quanto para a apresentação de um projeto ao cliente. Assim, para esse artigo será usado como exemplo uma unidade consumidora residencial, bifásica, composta por uma família de quatro pessoas e que possui um consumo elétrico médio de 400 kWh mês e com um sistema solar instalado junto à carga.
Se essa unidade consumidora pediu o orçamento de conexão antes do dia 07 de janeiro de 2023, ela está enquadrada como GD 01 e possui o Direito Adquirido. Assim, ela permanece com a total compensação da TUSD e não terá cobranças adicionais pelo uso do Fio B da distribuição.
Entretanto, se a unidade consumidora pediu o orçamento de conexão de 07 de janeiro a 07 de julho de 2023, ela será enquadrada como GD 02 e tem uma diferenciação na cobrança da TUSD – Fio B até 2030 e, depois, começa a implementação das regras da ANEEL que serão definidas pelo Encontro de Contas. Por último, conhecidas como GD 03, todas as unidades consumidoras que pedirem o orçamento de conexão após o dia 07 de julho de 2023 terão as regras definidas pela ANEEL aplicadas já em 2029.
O resumo de qual enquadramento a unidade consumidora do seu cliente se encontra e como ficam definidas a cobrança da TUSD – Fio B para cada um deles pode ser visto na Figura 02.
Figura 02 – (a) Enquadramento das unidades consumidoras e (b) cobrança da TUSD Fio B de acordo com o enquadramento.
Os pontos trabalhados nesse artigo têm maior relevância aos clientes GD 02 e GD 03. Assim, em um determinado mês, esta unidade consumidora do exemplo, tem o seu sistema solar gerando 600 kWh de energia, medido diretamente pelo inversor. Um conceito que precisará de atenção é o chamado simultaneidade, que terá um papel importante nos dimensionamentos, pois ele poderá minimizar os impactos da cobrança da TUSD – Fio B para os GD 02 e GD 03.
Não custa lembrar que a TUSD – Fio B é a cobrança vinda na fatura de energia responsável em valorar os custos da distribuição de energia elétrica, onde ela remunera a concessionária de energia para manter cabos, transformadores e postes que passam na frente da unidade consumidora do cliente. Como uma unidade consumidora que possui um sistema solar instalado no modelo de geração distribuída tem a capacidade tanto de consumir e injetar energia da rede elétrica, a cobrança da TUSD – Fio B tem como objetivo manter essa infraestrutura para usufruto do seu cliente.
Voltando ao conceito simultaneidade, ela é definida como a razão percentual entre a energia gerada pelo sistema solar dividida pela energia consumida pela unidade consumidora de forma instantânea, isto é, sem passar pelo relógio medidor da concessionária. Essa energia gerada e consumida no ato é chamada de consumo instantâneo e não sofre impacto algum da cobrança da TUSD – Fio B, onde a unidade consumidora não pagará por isso. Seus valores podem variar de zero, onde toda a energia gerada está sendo injetada na rede elétrica, até 100%, onde toda a energia elétrica gerada pelo sistema solar está sendo consumida de forma instantânea pela unidade consumidora. Na Figura 03, é possível analisar como funciona o fator de simultaneidade durante um dia da unidade consumidora.
Figura 03 – As colunas, em cor azul, representam que a geração solar e o consumo aconteceram de forma simultânea na unidade consumidora.
Pela Figura 03 foi visto que a energia gerada, linha amarela, ocorre aproximadamente das 8h da manhã até as 19h. Já a energia consumida, linha pontilhada preta, ocorre durante 24h e com picos diferentes da energia gerada. Em determinados momentos, a energia da rede, as colunas cinzas, tem que ser chamada para abastecer a unidade consumidora. Entretanto, em outros parte da energia é injetada, colunas pretas, e consumida gerando simultaneidade entre geração e consumo.
Em um projeto solar residencial de uma família brasileira composta por dois adultos e duas crianças, a simultaneidade média fica em torno de 30%, justificado pelo perfil de trabalho dos pais e o horário escolar das crianças. Obviamente, esses valores podem variar de acordo com o perfil horário de consumo da unidade consumidora e até pela geração do sistema solar. Então, projetos solares com maior simultaneidade poderão proteger melhor da cobrança da TUSD – Fio B, porque sua cobrança só ocorre quando a energia é injetada e chamada de volta para o seu uso na unidade consumidora.
Então, voltando ao exemplo deste artigo, 600 kWh gerados pelo sistema solar, 180 kWh são consumidos de forma instantânea já que sua simultaneidade média é de 30%. Esse consumo instantâneo não gerará acréscimos na fatura de energia pela TUSD – Fio B, porque não irá fazer uso da infraestrutura da concessionária. Entretanto, ainda há 420 kWh que foram injetados na rede elétrica e poderão sofrer o impacto da TUSD – Fio B que agora são conhecidos como excedentes de energia.
Os excedentes de energia entraram na rede elétrica da concessionária, mas a cobrança da TUSD - Fio B só ocorrerá quando a unidade consumidora precisar usar esses 420 kWh excedentes para abater o seu consumo. Se a unidade consumidora não usar os excedentes, eles são convertidos em créditos de energia e poderão ser usados para abatimentos futuros da fatura de energia dentro do mesmo prazo de cinco anos, para este exemplo do artigo.
É importante ressaltar, que esses excedentes podem também repartidos para serem usados em outras unidades consumidoras que estariam em geração remota com a unidade consumidora geradora, entretanto essa situação não está sendo abordada nesse artigo.
Como dos 600 kWh gerados pelo sistema fotovoltaico, foi abatido de forma instantânea um valor de 30% referente a simultaneidade, ele poderá ter excedentes de até 420 kWh que poderiam abater o consumo daquele ciclo de faturamento da fatura de energia. Neste exemplo, foi registrado um consumo mensal pelo relógio medidor da concessionária de 220 kWh. Na Figura 04 é possível observar a divisão da unidade consumidora em relação aos conceitos apresentados.
Figura 04 – A energia elétrica gerada, consumida e injetada da unidade consumidora do exemplo.
Analisando a Figura 04, observa-se que este valor de 220 kWh de consumo mensal é relativo aos 400kWh do consumo da unidade consumidora oriunda, por exemplo, de seus eletrodomésticos, menos 30% de geração simultânea, ou seja 180 kWh, do sistema solar. Cabe lembrar que dos 420 kWh que foram injetados na rede elétrica, a concessionária irá chamar de volta o valor de 220 kWh como excedentes, com a finalidade de abatimento do consumo da unidade consumidora. Estes 220 kWh, poderão pagar uma pequena porcentagem da TUSD- Fio B e relativo ao ano vigente do uso dessa energia.
Usando uma TUSD – Fio B média no Brasil de 32,5%, para essa situação, esta unidade consumidora do exemplo irá pagar de 2023 a 2026, somente o custo da disponibilidade. Isso porque, pelas regras vigentes, a unidade consumidora irá pagar o maior valor, em moeda corrente, entra o custo de disponibilidade e o custo da TUSD – Fio B. Se observado com clareza, essa situação nos anos iniciais fica análoga a regulamentação anterior, isto é, a RN 482. Posteriormente, esse cliente terá um pequeno acréscimo em 2027 e menos de 30% nos anos subsequentes, onde novas tecnologias de armazenamento ou de monitoramento e controle podem ser oferecidas se julgarem necessário. Na Tabela 01, apresenta a situação da unidade consumidora, no mês pretendido pelo exemplo do artigo.
Tabela 01 – Custos com a TUSD – Fio B, seu valor % durante os anos e se a unidade consumidora pagará o custo de disponibilidade ou TUSD – Fio B. Não foram feitos ajustes de inflação nos custos do kWh neste cenário nem análise de carga tributária.
Importante lembrar que as unidades consumidoras terão um consumo mais variável durante o ano, em especial nos estados que possuem condições de estações mais bem definidas, como verão e inverno, o que poderá afetar na composição da fatura de energia e a cobrança da TUSD – Fio B.
Mesmo assim, é importante reforçar para o cliente que esse valor só será cobrado se ele injetar energia e usar essa energia da rede elétrica. Só a injeção de energia não gera cobranças adicionais e, mesmo assim, pelas análises desse perfil de cliente, ele ficará muito próximo a cobrança da disponibilidade que já era o que acontecia com a RN 482. Lembrando que o custo de disponibilidade já era cobrado na regulação anterior e pouca diferença dá quando comparado com os anos de vida útil de um sistema de energia solar que são superiores a 25 anos quando bem instalado e com suas manutenções preventivas.
Uma estratégia que pode ajudar no convencimento do investidor indeciso em instalar um sistema solar é comparar, o que ele gastaria com a concessionária de energia elétrica em períodos 3 anos, 5 anos, 10 anos e até 25 anos se ele não investisse em energia solar. Assim, ele vai observar o quanto ele está economizando com a instalação de um sistema solar, mesmo com essa pequena cobrança da TUSD – Fio B.
Mais um ponto importante é ressaltar que o payback dos investimentos em sistemas solares residenciais e junto a carga, pouco sofreram impacto com a Lei 14.300. Mesmo assim, lembrar ao seu cliente indeciso que quanto mais tempo ele aguardar para instalar, mas cedo ele sofrerá os impactos da TUSD Fio B aumentando um pouco o seu payback. Mesmo assim, investir em energia solar é um ótimo negócio e todos ainda terão ótimas economias com esse investimento.
CONCLUSÕES
Este artigo não tem a pretensão de finalizar o estudo do tema e sim, ser um catalizador de pensamentos e reflexões, onde as empresas integradoras deverão estar em constante estudo com as atualizações que poderão ocorrer nas normas de implementação da Lei 14.300, liberadas pela ANEEL normalmente pelas suas Regulações Normativas.
Um ponto a ressaltar, que esse valor pode variar para mais ou para menos conforme a simultaneidade do sistema solar, a proporção percentual do Fio B da concessionária local e do próprio perfil de consumo da unidade consumidora em questão. Mesmo assim, é visto que valores de simultaneidade maiores, gerarão impactos menores da cobrança da TUSD – Fio B e na fatura de energia do cliente.
Deve-se também estar atento que novas tecnologias, ainda pouco disponíveis, mas que serão cada vez mais presentes nos próximos anos, como acoplamento de sistemas de armazenamento de energia ou sistemas de monitoramento e controle de geração, em sistemas de geração distribuída irão reduzir drasticamente o impacto da TUSD – Fio B, além de abrir novas oportunidades para o setor de energia solar e para os que prestam serviços de pós-venda.
Um outro ponto que merece atenção é o “Encontro de Contas” que está previsto para julho de 2023 e que não estava disponível até confecção deste artigo. Ele dará o real cenário de como a energia solar, em formato de geração distribuída, irá se comportar para as novas instalações GD 03 a partir de 2029 e a partir de 2031 em instalações GD 02.
Um último ponto também a estar atento é a possível cobrança da TUSD – Geração para os clientes na microgeração que poderão também ter impacto nos clientes residenciais junto à carga. Assim, o projetista solar terá que ter mais um ponto de atenção, principalmente se a potência do sistema solar for superior a potência de carga dos eletrodomésticos da unidade consumidora residencial e que poderá gerar uma cobrança adicional na fatura de energia do cliente.
Estar atento as informações liberadas pela ANEEL e manter a leitura de materiais produzidos por especialistas e profissionais competentes poderão aumentar a assertividades das empresas em entregar os melhores projetos, passar maior segurança ao cliente final que deseja investir em uma fonte de energia que só trará benefícios e ter o devido destaque neste competitivo mercado.